terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O joelho IV

A viagem seguia tranquila, sem maiores dificuldades. Do joelho eu tinha cuidado com carinho e nem parecia estar inchado mais. Tinha aplicado bolsas de gelo quatro vezes por dia, durante a semana que antecedeu a viagem e além disso, fui ao Hospital do Trabalhador duas semanas antes da nossa partida. Fizeram uma radiografia que nada revelou de errado. Apesar de estar inchado na ocasião, me disseram que não seria problema viajar, desde que eu tomasse uma série de anti-inflamatórios, o que foi seguido à risca.
Após passarmos por São José dos Pinhais, o primeiro pneu furado me fez parar e ouvir do Paulo a gozação tradicional, já que quem sempre furava pneus era ele.
Consertar pneus furados é uma rotina comum para quem pedala bastante, mas com o bagageiro que suporta os alforges preso ao eixo traseiro da bicicleta, a operação torna-se um pouco mais complicada, principalmente para quem sofre da Doença de Parkinson. Tudo fica muito mais demorado...
Pneu consertado, bicicleta em pé e pronta para partirmos e o joelho cem por cento ok.
Partimos novamente em busca de Tijucas do Sul.
O dia que se revelara cinzento no seu amanhecer, tornou-se um belo dia ensolarado. Até demais...
As subidas começaram a consumir as forças pouco a pouco. O sol a pino aumentou o desgaste...
Mais um pneu furado e novas gozações...
Ao longe, no topo de uma colina estava um pequeno povoado com sua igreja marcando a presença de civilização.
O cansaço começou a pegar juntamente com a fome, mas estávamos ainda um pouco distantes do nosso primeiro objetivo, Tijucas do Sul.
Subidas de todos os tipos desenhavam o prognóstico do que seriam os próximos 5 dias de pedal à nossa frente.
Finalmente uma placa à beira da estrada indicando Tijucas do Sul a poucos quilômetros de nós. O calor já se tornara a muito insuportável. Os pés doíam, as costas doíam, as pernas doíam... Isso não era novidade. Já sabíamos o que teríamos pela frente desde que o Paulo meticulosamente planejou a viagem.
Chegamos a Tijucas do Sul e procuramos um lugar para comer. Paulo parecia não estar cansado, mas eu estava muito cansado.
Após o almoço, um pouco gorduroso, sentamos na calçada à sombra de um supermercado para descansar um pouco. Não conseguimos ficar muito tempo parados, o calor estava muito forte e o que eu precisava na verdade era tirar um cochilo de dez minutos.
Decidimos seguir adiante e assim fizemos.
Estrada de novo. Sobe e desce... Sobe e desce... Sol...
Aquela estrada era conhecida minha, mas Paulo propôs um caminho alternativo para cortar alguns quilômetros,]
Seguimos pelo caminho sugerido até encontrarmos um belo recanto, com alguns Eucaliptos enormes fazendo uma agradável sombra e aromatizando o vento filtrado por suas folhas. Uma dádiva àquela altura do dia.
Paramos um pouco para descansar e falar sobre a vida...
Mal sabíamos o que teríamos de enfrentar adiante...
(continua)

O joelho III

Madrugada ainda e o Paulo me ligou no celular avisando que já estava na Linha Verde e que em poucos minutos estaria passando para seguirmos nossa grande aventura. Considerei essa viagem o mais difícil desafio ciclístico da minha vida.
Desci a escada com dificuldade pois o peso dos alforges mesmo carregados com o mínimo indispensável para a jornada, era bem razoável. Já embaixo, abri a porta do barracão onde estava morando provisoriamente e ganhei o pátio.
O cão de guarda, que nunca gostou muito do meu jeito, veio em minha direção entre desconfiado e curioso por me ver saindo àquela hora com a bicicleta, um fato incomum nos seus hábitos. Para evitar o risco de um ataque de surpresa àquela hora, em que a primeira dose de remédios para o parkinson ainda não estava cem por cento efetiva, coloquei entre eu e ele a bicicleta, como uma espécie de escudo. Assim meio desconfiados , eu e ele, segui em direção ao portão.
Já fora do patio, senti falta das minhas luvas. Recolhi a bicicleta novamente para dentro do patio e enfrentei o cão falando com ele com aspereza, para que ficasse longe.
Subi as escadas, peguei as luvas, dei uma última olhada em meu quarto/casa, quando o celular tocou avisando a chegada do meu parceiro de viagem.
Desci, apaguei as luzes, tranquei a porta, atravessei o patio meio tropego ainda pela falta da dopamina, sempre de olho no cão. Com a bicicleta fora, luvas e tudo mais conferido e pronto para encarar a estrada, dei bom dia para o meu sorridente companheiro de vida e jornada.
Passavam alguns minutos das cinco da manhã e eu não tinha tomado café ainda. Decidimos tomar café numa padaria no caminho. Um ponto onde sempre parávamos quando pedalávamos para aqueles lados.
O frescor da madrugada de início do outono, trazia uma sensação característica para as narinas. Uma sensação bem conhecida de dezenas de outras pedaladas com tempo frio, tão comum, que era até bem vinda.
Rapidamente cruzamos o trecho de asfalto da recém inaugurada Linha Verde. Seguimos então rumo à padaria e depois para a Estrada do Ganchinho, a ligação por estradas não pavimentadas com Tijucas do Sul, nosso primeiro destino sob forma de cidade. Até lá eram só povoados.
A sensação de estar pedalando já com os cem por cento de dopamina soltando a musculatura, é maravilhosa!
Seguimos em um ritmo tranquilo, com o barulho dos pneus bem calibrados para estrada de chão, soando como uma sinfonia entre os buracos e as pedras da estrada.
Gosto de ver o trabalho da suspensão dianteira da minha bicicleta quando estou pedalando em estradas não pavimentadas. A roda pulando e o guidão estável, os dedos indicadores levemente encostados nas manetes de freios e os polegares prontos a acionar o trocador de marchas, caso seja necessário, uma postura repetida centenas de vezes nos últimos anos em pedaladas memoráveis para vários lugares. Alguns indescritíveis pela beleza natural.
Vale aqui mencionar a velha máxima:
"Existem lugares onde só uma bicicleta pode levar você".
(continua...)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O joelho II

Passei a me valer de uma bengala, para ajudar no equilíbrio, o que foi útil por algum tempo. Entretanto a bengala trouxe alguns inconvenientes.
Tendo uma das mãos ocupadas por ela, tornou-se difícil carregar compras de supermercado. Este problema foi contornado com a utilização de uma mochila, onde eu passei a carregar as compras.
Uma outra desvantagem da bengala de madeira que eu utilizava, era que quando eu saia de bicicleta, tinha que prender a bengala com tiras de velcro no quadro. Algumas vezes passei o susto de ver a bengala soltar-se dos velcros, pela trepidação do terreno e "quase" trancar o pneu traseiro da bicicleta. Tinha que pedalar com muita atenção e olhando frequentemente para as tiras de velcro. Este outro problema foi resolvido com a compra de uma bengala desmontável, do tipo que deficientes visuais usam. Desmontada, a bengala podia ser facilmente carregada na mochila.
No entanto o maior problema era o equilíbrio.
Quando caminhamos, nos apoiamos sobre duas pernas, quando as pernas perdem súbita e inesperadamente a capacidade de sustentar o corpo, o ponto de apoio único oferecido pela bengala, por vezes não é suficiente, de maneira que dependendo da situação, eu continuava caindo.
Passei então a usar um andador, com quatro pontos de apoio ao invés de um único. O andador, por sua vez, tinha a desvantagem de ocupar as duas mãos. A mochila tornou-se desta maneira, minha grande companheira. O andador foi muito funcional nessa fase, mas ainda assim muito lento para caminhar, entretanto sua grande vantagem era de sustentar meu corpo.
Parei de cair, ao menos quando utilizava o andador.
O joelho sempre inchado, não me permitia grandes esforços na bicicleta, a não ser curtas viagens entre o bairro onde morava, Vila Fany e o centro da cidade, pouco mais de vinte quilômetros.
Eu tinha que dar um jeito no joelho.
Desde que comecei a pedalar, descobri na bicicleta uma grande companheira. Fazia bem estar sobre ela, pedalando e vivendo aquele momento único, sem mais nada na cabeça, a não ser o ritmo compassado dos pedais. Além disso, havia um desafio proposto pelo meu irmão Paulo Pegorini, de vencer um desafio entre Curitiba e Shangrilá no Rio Grande do Sul. Seriam cerca de setecentos quilômetros por estradas não pavimentadas, cruzando parte do sul do Paraná, Santa Catarina e finalizando no litoral do Rio Grande do Sul.
(continua)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O Joelho

Quem já parou para pensar quantas vezes o joelho articula por dia em um ser humano? Não consigo imaginar, mas dá para ter uma ideia contando quantos passos se dá por dia e multiplicando por dois, porque a cada passo dado o joelho articula duas vezes.
É fácil mensurar a perfeição desta articulação, considerando essa proposta de cálculo.
O joelho não precisa de lubrificação especial, ao menos nunca ouvi falar de alguém que tenha precisado disso em condições normais de uso.
Para os adeptos de práticas esportivas, o impacto sobre essa articulação é bem maior, dependendo do esporte.
No meu caso, como praticante de ciclismo, a força exercida sobre os joelhos é muito grande, pois todo esforço muscular para movimentar a bicicleta, produzidos pelos braços, tronco e coxas, o esforço de praticamente três quartos do corpo, é transmitido para as articulações do joelho e tornozelo, os quais através dos pés, irão finalmente movimentar os pedais. Dependendo da inclinação do terreno, esse esforço pode ser muito grande.
O drama do meu joelho começou com uma queda sobre o esquerdo, onde todo o peso do meu corpo caiu inesperadamente sobre ele. No momento imediato após a queda a dor foi enorme. Senti naquele momento que tinha estragado meu joelho! Os dias passaram e acabei esquecendo da queda.
Uns dois meses mais tarde, comecei a sentir um certo desconforto ao me agachar. No início só desconforto, mas alguns dias passados não podia mais dobrar a perna. Pedalar então, nem pensar.
Fui a uma farmácia e me venderam um anti-inflamatório para tomar por alguns dias. Afinal tive uma pequena melhora e o joelho desinchou, mesmo assim continuei pedalando o mínimo possível.
O problema foi que comecei a sofrer quedas constantes e frequentes. Cada vez que algo imprevisto acontecia próximo de mim, não tinha dúvida, era chão e sobre o joelho esquerdo. Sempre cai para o lado esquerdo em meus acidentes de bicicleta. Tive uma fratura na clavícula esquerda e multi-fraturas no cotovelo esquerdo em dois acidentes distintos. Voltando à imprevisibilidade das quedas, lembro-me que ao sair de casa um dia, andando pela calçada, um passarinho cruzou a minha frente voando e pousou alguns metros adiante. Foi suficiente para me levar ao chão. Sobre o joelho esquerdo...
O problema verdadeiro, não é o joelho, mas o parkinson que me faz sofrer quedas. E dai? Como resolver isso?
O fato é que o joelho , continuou fazendo o "efeito sanfona", ou seja > incha > anti-inflamatório > desincha > queda > incha...
Quase um ano nisso...
(continua...)