terça-feira, 4 de junho de 2013

Medo...

Tudo ficou mais lento... Os passos, as reações, mas as emoções aceleraram...

A sensação de estar caminhando trôpego, acompanhada de outra sensação – a de ser diferente, ou melhor a sensação de “estar diferente” foi corroendo a auto estima. 

Me recordo de sentir muita vergonha deste novo estado de ser. Andava de cabeça baixa, devagar como os idosos andam. Pessoas olhavam para mim nas ruas, com uma curiosidade desconfortável...

Eu mesmo não sabia o que estava acontecendo, mas sabia que alguma coisa não estava bem com minha saúde. Medo, muito medo...

Aos quatorze ou quinze anos de idade, meu pai disse um dia bravo para mim, chamando minha atenção - “levanta esses pés do chão para andar rapaz, você parece um velho andando”.

Ninguém, nem eu mesmo percebia, mas um novo “companheiro” estava, já naquela época, instalado. Quase imperceptível, sorrateiramente ele vinha minando aos poucos meu corpo. Tirando devagarzinho minha agilidade, solapando meu bem estar, como um rio que devora as suas próprias margens.

Medo... Muito medo...

Um fato marcou e foi a constatação definitiva. Um pulo na piscina do clube, no poço dos trampolins. Quatro metros de profundidade. Eu nadava muito bem, sempre nadei, desde menino na praia. Naquele dia não! A água da piscina me engolia, alguma força estranha segurava meus braços e minhas pernas. Não podia flutuar. Pânico, não. Terror! De dentro do terror, pedi socorro ao guarda vidas do clube. Alguns amigos pensavam que eu estava brincando e riam, pois sabiam que eu nadava bem. Desespero! O guarda vidas finalmente me tirou de lá. O fôlego faltava, o corpo tremia, estava exausto...

Medo... Muito...

Consultar um médico.. Era preciso... Medo de ouvir o inevitável – minha saúde aos 25 anos, não era a mesma. Pior... era neurológico... Descartas todas as outras possibilidades - vida sedentária, falta de exercício, estresse emocional, “tive que” procurar um médico.

Medo... Ainda mais... Exames, muitos exames... E a nova realidade caiu na minha cabeça me atordoando.

Você sabe o que é Doença de Parkinson? Peguntou o médico.
Não. Nunca ouvi falar. Disse eu.
Os exames que pedi não revelaram nada errado. Descartei todas as outras possibilidades. Você está com a Doença de Parkinson. Não procure ler a respeito. Vá levando sua vida como tem levado, a diferença é que terá que tomar remédios pelo resto da sua vida. É uma doença ainda sem cura, é degenerativa, é também progressiva, embora o progresso seja lento, mas existe tratamento. Sentenciou o médico.

Medo e lágrimas... Muitas lágrimas no caminho de volta para casa...

Passaram trinta e três anos daquele dia...

Passaram mais de quarenta e dois anos do dia em que ouvi do meu pai que parecia um velho andando...

Estou aqui! Agora acostumado...

O medo se foi, as lágrimas secaram...

A vida continuou pela sede de viver...

Bom dia!

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Porque não ser diferente?

E porque não... ser diferente?

Quando eu era criança, com cerca de 9 anos, geralmente íamos passar as férias em uma pequena cidade do interior paulista, onde moravam meus avós. Era a oportunidade anual de rever os primos, os tios e os avós. 

Minha mãe ficava sempre na casa dos avós, e eu ficava circulando com minha mochilinha de roupas e coisas de uso pessoal, entre a casa dos primos.

Para ir da casa dos avós até a casa de uma das primas, eu tinha que seguir sempre em frente por uma rua que se chamava “Rua Boiadeira”. O nome da rua não foi dado ao acaso. Recebeu este nome porque era por ali que passavam as boiadas que muitas vezes vinham de outras cidades e se dirigiam ao matadouro municipal.

O meu receio era encontrar com uma dessas boiadas passando enquanto eu fazia o trajeto.

Um dia aconteceu. Eu já estava próximo da casa da prima e um dos bois se desgarrou, tentando fugir do rebanho. Não me lembro ao certo como era esse boi, mas para mim era muito grande e ameaçador. Vinha em disparada na direção que eu ia seguindo. Subi em um muro alto, o mais rápido que pude e o boi passou por onde eu estava correndo para a sua liberdade seguido por dois boiadeiros a cavalo. O que aconteceu depois com o boi eu não sei. Mas esse fato marcou para mim, não pela fuga em si, mas pelo fato de todo o rebanho seguir a passo lento para o matadouro, enquanto aquele boi em especial decidiu por si mesmo que todos os outros do rebanho estavam errados e seguiu sua vontade.

Nós que temos a Doença de Parkinson sabemos que a nossa tendência é nos recolher dentro de nós mesmos, como uma espécie de de proteção, ou fuga … A pergunta que faço é:

Porque tem que ser assim da forma que a doença nos induz a ser?

Em outro artigo publicado antes de ontem, escrevi sobre a diferença entre aceitação e resignação.

Resignação é aceitar sem outra possibilidade... É saber que está sendo conduzido para o matadouro e não fazer, nem ao menos tentar lutar pela vida...

Por que não ser diferente?