Das infinitas lendas que discorrem sobre o arquétipo do guerreiro, passagens sobre samurais são aquelas sobre as quais a humanidade conseguiu reunir mais registros. De alguma forma, quem treina deve ter um guerreiro muito desperto dentro de si. É o nosso lutador interno quem acorda na antemanhã para treinar ou resiste à dor de uma interminável série intervalada.
Mas o marcial não atua somente no campo de batalha, ou seja, nas valências físicas e práticas do cotidiano de um atleta. Ser um samurai é uma filosofia de vida complexa, impecável e rica. Invariavelmente essa postura está a serviço de algo: uma meta, um sonho, uma competição futura. Ninguém sofreu ou tem disciplina sem saber onde quer chegar.
Pois conta a lenda que um famoso samurai japonês teve seu senhor assassinado. Todos os samurais estão a serviço de um senhorio. Este honrável guerreiro oriental não luta ou treina sem razão, ele entrega sua vida pela proteção de seu feudo. É para defendê-lo e honrá-lo que o soldado japonês se abstém de prazeres mundanos e passa horas do dia na busca do equilíbrio, treinando com afinco. Desta vez, ele havia falhado e sabia qual era seu dever.
O samurai então sai pelo Japão em busca do assassino de seu senhor. Deveria caçá-lo e matá-lo em nome da honra de sua terra. Depois de dois anos de procura incansável, o temido lutador encontra o assassino de seu senhor e, com facilidade, encurrala-o na parede. Certo da morte iminente, o vagabundo surpreende o guerreiro e lhe desfere um cuspe na face. Que ódio! Que desrespeito! Mas o que faz o samurai? Imediatamente, olha nos olhos do assassino e guarda sua espada, poupando a vida de quem lhe sujou a fuça.
Mas como assim? Que se passou? Temos uma explicação. Quando o homicida escarrou no rosto do samurai, despertou a raiva de seu algoz. O samurai sentiu que mataria sua presa não para honrar aquele a quem servia, mas sim porque sentiu um ódio pessoal a ele direcionado. Não é da prática de um samurai matar por raiva. Em sua filosofia, ele serve a algo bem maior.
Um atleta tem sempre um objetivo, um sonho pelo qual coloca seu esforço e dedicação a serviço. É preciso ter isso claro e limpo dentro de si. Quando estamos treinando com foco em alguma prova e um colega de equipe ou até mesmo um desconhecido que passa rente aperta o ritmo, colocando uma intensidade acima daquela que devemos manter para cumprir o programa, deveríamos sempre lembrar a que servimos. Seria natural que, em reação ao cuspe, o samurai cortasse a cabeça do sujeito, assim como é natural para atletas querer competir em treinos. Mas aonde isso nos leva?
Um samurai não reage, ele se reposiciona, pois sabe que todo revide é irracional. Um treino que termina muito mais forte do que o planejado, com o simples intuito de acompanhar ou vencer alguém ou algum grupo, pode ter consequências drásticas para quem almejar estar em forma no dia de uma maratona ou um Ironman. Podemos sempre nos reposicionar em relação a algo, mas é aconselhável evitar a reação emocional a um estímulo externo.
Portanto caro guerreiro, da próxima vez em que algum pelotão passar em ritmo alucinante pela estrada ou aquela moça atrevida lhe deixar para trás no seu regenerativo de corrida, desperte seu samurai e guarde a espada para quando for realmente necessário.
Por Lucas Pretto
Olá amigo! já estava estranhando! Gostei de ler! É uma boa filosofia!
ResponderExcluirEstá quase o grande dia do inicio de mais uma aventura para contares aos netos!
Um grande beijo!
Muito bom esse post. Me fez lembrar de um livro de ensinamentos que li muuuuuito tempo atras, chamado HAGAKURE..
ResponderExcluirhttp://www.niten.org.br/penaespada/penaartigos/hagakure.html
Caro Roberto, em busca de forças de renovação, hoje revisitei teu Blog. Esta história gostei muito, e não a conhecia (incrível), pois conheço inúmeras. Treino artes marciais a 30 anos. Fui faixa preta de karaté e sou faixa preta de aikido. Estive na tua palestra em Floripa. No momento estou trabalhando muito a aceitação. Tenho a síndrome parkinsoniana. Diagnóstico do eminente Ney Artur Azambuja, de POA. Neurocirurgião do Hospital da Puc e especializado em parkinson. Segundo ele, um parkinson mais leve?!?! E me garantiu que não estava "dourando a pílula". Meu pai teve um parkinson de uma severidade terrível. Portanto...
ResponderExcluirBem Roberto, mais ou menos suave, a verdade é que sinto graves limitações. Pretendo retornar aos treinos de aikido, mas não tenho me encorajado muito. O meu emocional tem me traído sistematicamente. Mas vamos em frente! Exemplos como o teu me ajudam muito. Grande abraço. Zé Vitor